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domingo, 30 de junho de 2013

Velhice

Quando a pele ainda era rígida e lisa e os cabelos brancos ainda não tinham dado as caras, eles se conheceram e namoraram. Mas  Helena se apaixonou por outro, Antônio, e Waldir ficou tristonho por ver sua amada casar. Ela, por sua vez, apresentou uma prima para ele, com quem Waldir se casou. Foram casados e felizes por muito tempo. Mas o tempo, esse traiçoeiro, sempre passa. Quando finalmente os cabelos brancos chegaram, a pele não era a mesma, e as dificuldades de locomoção e os problemas auditivos chegaram, ambos ficaram viúvos. E foi na velhice que eles se reencontram, apesar de nunca terem se separado em função dos vínculos familiares. Há um ano, eles completaram seus respectivos 80º aniversário juntos, mais uma vez como um casal. Engana-se quem acredita que a velhice e tudo o que vem junto com ela os atrapalha. O aparelho auditivo de Waldir o auxilia a ouvir quando Helena o chama, frequentemente pelo nome do falecido marido, Antônio. "Ele não se importa, eram muito amigos", justifica ela em meio à gargalhadas. Casaram de novo, depois de bem velhos, pois "quem mora junto e não casa não vai para o céu", acredita Helena. O fato é que em meio a não-aceitação familiar, a troca de nomes, surdez e velhice, eles proporcionam um ao outro qualidade de vida. Eles são, um para o outro, tudo aquilo que se espera enquanto a morte não chega.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Aprender

Com criança, sempre se aprende. É só observar bem. Aprendi o que é amar incondicionalmente e a reciprocidade disso. Aprendi que matemática pode ser divertido, mesmo que se tenha 5 anos de idade. Aprendi que cafuné consola e chá de camomila acalma, em meio a uma crise depressiva. Aprendi que crianças podem ser mais fortes que os adultos. Aprendi que o Benjamin Franklin criou as lentes bifocais. Aprendi que crianças tem QIs altíssimos e que não é fácil, nem pra elas, nem pra nós, lidarmos com isso. Aprendi que a vida é movida a desafios. Aprendi que não se pode concordar com algo simplesmente por que ele está posto. Aprendi a ser mais justa, a me preocupar mais com o outro, a apenas cobrar aquilo que realmente colocamos em prática. Há onze anos eu aprendo um pouquinho todo dia, com um menino que sonha em ser cientista, que me faz acreditar em um futuro melhor pra sociedade. Um menino que do alto dos seus 9 anos me ajudou a superar uma crise, com o seu cafuné e chá de camomila. Um piá que não apenas observa o mundo, mas nos faz observar e refletir com ele o porquê das coisas serem como são e da real necessidade disso.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Morte

Ninguém quer ver a morte de perto. Mas ela sempre chega, às vezes sem avisar, outras fazendo muito barulho. Naquela tarde, deitado em uma cama de hospital, ele não queria mais viver. Lutava para tirar o tubo de oxigênio que o mantinha vivo. Estava consciente. Mais consciente, talvez, que os três filhos e os dois netos que estavam no quarto. Seguravam suas mãos, para impedi-lo de retirar o respirador. Se morrer é difícil, ver alguém partir e não poder fazer nada, é mais ainda. Ele, com seus mais de 90 anos bem vividos, dizia, embora não muito claramente, "me deixem morrer". Todos fingiam não entender. Muitos fingem até hoje. Enfermeiros e médico vieram, para levá-lo de volta a UTI. Estava muito agitado e com dificuldade para respirar, apesar do aparelho. O coração já dava sinais de que estava indo. A correria foi em vão, as tentativas de reanimar o coração também. Ele se foi, e a notícia foi dada assim, num corredor frio de hospital. A última frase que eles lembram de ouvir dele foi me deixem morrer.

domingo, 9 de junho de 2013

Super-herói

Da noite para o dia ele teve a certeza que era um super-herói. Afirmava que o planeta corria risco de não existir mais, que as pessoas passariam por um grande sofrimento. Dizia que o mal estava prestes a vencer o bem e que ele era o único que poderia fazer algo para mudar. O super-herói ficava aflito, chorava. Deixou de fazer coisas que gostava por medo que aquilo fosse desencadear uma batalha entre o bem e o mal. Não era sonho, nem ficção. Também não era realidade. Ninguém sabia do que se tratava. A única certeza era que o super-herói era uma criança. Uma criança que queria salvar o mundo.

sábado, 8 de junho de 2013

Visitas

Gosto de visitar o passado. Com frequência. É uma visita diferente, não preciso bater na porta nem anunciar a minha chegada. Tenho a chave. Pego ela e abro a porta lentamente, espio para dentro e tento algo diferente. Algo que eu não tenha notado nas outras visitas. Ir até o passado é buscar repostas para o presente e, frequentemente, não achá-las. Ou talvez achá-las logo, bem ali, atrás daquela frase dita. Ás vezes as repostas ficam muito bem escondidas no passado e é difícil achar. É preciso procurar bem, talvez elas esteja embaixo de algum sorriso ou lágrima. É provável que esteja escondidinha, lá atrás daquela escolha.