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sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Homens do asfalto

Eles não são motoqueiros nem caminhoneiros. Mas talvez tenham sido um dia. Talvez tenham tido grandes cargos, por quê não? Nesses quinze anos muitos passaram por aqui. Cem, duzentos, não sei. Lembro de algumas histórias. Aquela noite, inesquecível, em que alguém bateu muito forte na porta da frente e foi embora, nos deixando quase em pânico. Aquele outro que pediu comida e contava sua história em versos. Outra vez demos carona para um. Teve, ainda, aquela manhã muita fria de inverno que, mesmo tendo dormido na geada forte, ele levantou, sorriu e disse bom dia. O que pediu uma panela e saímos de carro, atrás dele pela BR-290, para entregar. O que mostrava as fotos da família. Os que pagavam promessas, os que falavam muito ou pouco e também aqueles que iam em busca de um futuro melhor. Teve, sim, os que pediram dinheiro, mas levaram só comida e colocaram tudo fora. Os bem vestidos, os com barbas e cabelo compridos. Os que carregavam muita coisa, os que não carregavam nada. Os solitários e os que tinham companhia. Os drogados, bêbados, loucos. Os conformados. Em comum todos eles tinham a esperança de um prato de comida e o asfalto como casa.

A caixa

A caixa é quadrada, amarela, não muito funda e com desenhos de flores azuis. Ela já não fecha direito. Dentro dela há muitos envelopes, fotos, lembranças. Nos cartões mais de cima eu encontrei o que tu me enviaste no meu aniversário, junto com aquele presente que entregaram no trabalho. Uma frase pronta, um feliz aniversário e uma assinatura. Nada de mais, e nem de menos. Afinal, algumas coisas não precisam ser escritas.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Os irmãos da parada

Lembro que a primeira vez eles já estavam lá. Um mais alto que o outro, supostamente mais velho. Irmãos, com certeza. A semelhança física denunciava. Eu, insegura, claro. Eles, muitos anos mais novos e com uma naturalidade de quem estava ali todas as manhãs. Subimos no mesmo ônibus. No outro dia, de novo. Nos dias seguintes, eu já não me preocupava mais em qual ônibus embarcar, era só seguir os irmãos. Duas crianças, mais confiantes que eu. Eles nunca perceberam, mas sempre os observei. Encantava-me a maneira como o mais velho cuidava do mais novo. Têm aqueles dias em que chego na parada e eles não estão. Têm outros que eles correm para não perder o ônibus. Em outros, ainda, aparece só um e eu me pego pensando no motivo que deixou o outro em casa. Eles não sabem e nunca irão saber, mas eu admiro eles.

sábado, 17 de novembro de 2012

Tudo se desfez

Tudo se desfez e se refez. Fomos separadas e obrigadas a dividir o quarto com pessoas que não conhecíamos. Mas, que no meu caso, acabou se tornando uma amiga de infância em poucos minutos. Os sotaques entregavam de onde vinha cada um daqueles rostos curiosos, mas a pergunta era inevitável: "de onde tu és?". Éramos de todos os cantos do país. Dos mais improváveis, inclusive. Gente que precisou viajar de barco para chegar na terra da garoa. Aquele distanciamento de casa, o isolamento do mundo e a vontade de fazer diferente nos uniu. Nos uniu de uma forma que o tempo nem a distância foram capazes de separar.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Preparação

Há exatos quatro anos atrás eu arrumei as malas. Arrumei as malas para viajar rumo ao desconhecido. Era a primeira viagem sozinha e, até aquele momento, não era exatamente o que podia se chamar de diversão. Eu e uma professora, juntas por três dias inteiros, em meio a muitas pessoas estranhas. Quem eram? De onde vinham? Eram capazes? Onde ficaríamos? Como seriam nossos passeios pela terra da garoa? Na mala eu coloquei muitas roupas que eu não usei. Levei junto curiosidade e medo, expectativa e o desejo de vencer. Quando chegamos lá, tudo se desfez.

sábado, 3 de novembro de 2012

Despedida


Na última noite em que passaram juntos, depois da festa, o grupo subiu pelas escadas, como havia feito nos últimos dias. Eles não podiam se separar. Na primeira e última vez que tentaram usar o elevador ele cedeu. Não suportou o peso daquelas 16 pessoas. Naquela última noite eles mesmos tinham dificuldades com o próprio peso, que já não era mais apenas físico, era, também, o peso da saudade. Quando chegaram no corredor principal do 2º andar todos se olharam e nenhuma palavra precisou ser dita. Os olhos de todos diziam a mesma coisa: foi muito bom conhecer vocês. Começaram, então, os abraços e os beijos. Os desejos de sucesso e felicidade. Mas, principalmente, o desejo de que um dia todos pudessem se reencontrar de novo e relembrar daqueles dias que foram tão importantes. As duplas se dirigiram para seus quartos, alguns com lágrimas nos olhos.

Aquela foi, possivelmente, a última vez que eles se viram.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Valentin9

Valentin: "Eu sei como as pessoas podiam viver mais".

Eu: "Como?"

Valentin: "Elas têm que ficar em movimento constante. O tempo passa mais devagar quando estamos em movimento".

Eu: "Mas eu acho que quando a gente tá em movimento, fazendo alguma coisa, o tempo passa mais rápido"

Valentin: "É só impressão tua. As pessoas teriam que chegar próximas a velocidade da luz".

Eu: "Impossível a gente se movimentar na velocidade da luz"

Valentin: "Não é exatamente na velocidade da luz. Na velocidade da luz o tempo para. Eu vi isso no meu livro. Mas o tempo passa mais devagar quando elas estão próximas".