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quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Gasolina


Um homem, com uma garrafa pet, chega em um posto de gasolina.
- Enche, pediu ao frentista.
- Comum ou aditivada?
- Tanto faz. É para colocar fogo na casa mesmo.

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Coisas que se ouve em postos de gasolina por aqui.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Tia Nair

A senhora da janela. Eu não sei qual o seu nome, mas gosto de pensar nela como tia Nair. Há meses que eu tenho passado pela janela do quarto e ela está lá, deitada em uma cama hospitalar. Os cabelos brancos, as rugas no rosto e aquele olhar de quem tem muito a contar. Um olhar cansado, experiente e ao mesmo tempo esperançoso. Não sei se ela fica apenas na cama, ou se anda por aí. Sempre que passo e olho para dentro da janela ela me devolve o olhar. Ou melhor, sempre não. Há alguns dias ela não me olhou de volta. A cama estava vazia. "Foi dar uma volta", pensei. No outro dia a mesma coisa. E assim a imagem da cama vazia foi se repetindo. Não sei o que de fato aconteceu. Sei que não gosto de pensar que o olhar da tia Nair partiu.

domingo, 2 de dezembro de 2012

As cartas que não te enviei

Respirei fundo e decidi te escrever mais uma vez. Lembra de todas as cartas que eu prometi te enviar? Eu sei, elas nunca chegaram. E nunca chegaram por um motivo bem simples: faltou-me coragem de ir até o correio. Mas elas foram escritas, e você sabe. Uma vez eu digitalizei uma e te enviei por e-mail, lembra?

Abri a gaveta, hoje, e encontrei todas as cartas que não te enviei. Dos nossos aniversários de, de... Como eu devo chamar mesmo? Encontrei as que escrevi no dia do amigo, no teu aniversário, no natal. Eu sei, eu sei. Sei que elas foram escritas em um tempo que não volta mais. Mas de que importa? Importa que estou aqui, tantos anos depois, te escrevendo mais uma vez. Quando peguei essas velhas cartas na mão, senti tua falta. Não que eu não sinta sempre, mas foi diferente. Foi como se tudo pudesse ter sido diferente se eu as tivesse enviado.

Elas, as cartas, estão recheadas de histórias nossas, das vividas e as não vividas. E fico me perguntando se tu ainda lembras de mim. Por favor, permita-me que lhe faça um pedido, um último pedido, talvez. Não me julgues por ter sumido, por não ter enviado as cartas como prometi. Tive meus motivos.

Se receberes essa carta é porque, desta vez, eu deixei de ser covarde e fui até o correio. Talvez um dia eu te envie as cartas antigas. E talvez eu possa receber uma carta tua também.

Com amor e nostalgia,
Eu.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Homens do asfalto

Eles não são motoqueiros nem caminhoneiros. Mas talvez tenham sido um dia. Talvez tenham tido grandes cargos, por quê não? Nesses quinze anos muitos passaram por aqui. Cem, duzentos, não sei. Lembro de algumas histórias. Aquela noite, inesquecível, em que alguém bateu muito forte na porta da frente e foi embora, nos deixando quase em pânico. Aquele outro que pediu comida e contava sua história em versos. Outra vez demos carona para um. Teve, ainda, aquela manhã muita fria de inverno que, mesmo tendo dormido na geada forte, ele levantou, sorriu e disse bom dia. O que pediu uma panela e saímos de carro, atrás dele pela BR-290, para entregar. O que mostrava as fotos da família. Os que pagavam promessas, os que falavam muito ou pouco e também aqueles que iam em busca de um futuro melhor. Teve, sim, os que pediram dinheiro, mas levaram só comida e colocaram tudo fora. Os bem vestidos, os com barbas e cabelo compridos. Os que carregavam muita coisa, os que não carregavam nada. Os solitários e os que tinham companhia. Os drogados, bêbados, loucos. Os conformados. Em comum todos eles tinham a esperança de um prato de comida e o asfalto como casa.

A caixa

A caixa é quadrada, amarela, não muito funda e com desenhos de flores azuis. Ela já não fecha direito. Dentro dela há muitos envelopes, fotos, lembranças. Nos cartões mais de cima eu encontrei o que tu me enviaste no meu aniversário, junto com aquele presente que entregaram no trabalho. Uma frase pronta, um feliz aniversário e uma assinatura. Nada de mais, e nem de menos. Afinal, algumas coisas não precisam ser escritas.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Os irmãos da parada

Lembro que a primeira vez eles já estavam lá. Um mais alto que o outro, supostamente mais velho. Irmãos, com certeza. A semelhança física denunciava. Eu, insegura, claro. Eles, muitos anos mais novos e com uma naturalidade de quem estava ali todas as manhãs. Subimos no mesmo ônibus. No outro dia, de novo. Nos dias seguintes, eu já não me preocupava mais em qual ônibus embarcar, era só seguir os irmãos. Duas crianças, mais confiantes que eu. Eles nunca perceberam, mas sempre os observei. Encantava-me a maneira como o mais velho cuidava do mais novo. Têm aqueles dias em que chego na parada e eles não estão. Têm outros que eles correm para não perder o ônibus. Em outros, ainda, aparece só um e eu me pego pensando no motivo que deixou o outro em casa. Eles não sabem e nunca irão saber, mas eu admiro eles.

sábado, 17 de novembro de 2012

Tudo se desfez

Tudo se desfez e se refez. Fomos separadas e obrigadas a dividir o quarto com pessoas que não conhecíamos. Mas, que no meu caso, acabou se tornando uma amiga de infância em poucos minutos. Os sotaques entregavam de onde vinha cada um daqueles rostos curiosos, mas a pergunta era inevitável: "de onde tu és?". Éramos de todos os cantos do país. Dos mais improváveis, inclusive. Gente que precisou viajar de barco para chegar na terra da garoa. Aquele distanciamento de casa, o isolamento do mundo e a vontade de fazer diferente nos uniu. Nos uniu de uma forma que o tempo nem a distância foram capazes de separar.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Preparação

Há exatos quatro anos atrás eu arrumei as malas. Arrumei as malas para viajar rumo ao desconhecido. Era a primeira viagem sozinha e, até aquele momento, não era exatamente o que podia se chamar de diversão. Eu e uma professora, juntas por três dias inteiros, em meio a muitas pessoas estranhas. Quem eram? De onde vinham? Eram capazes? Onde ficaríamos? Como seriam nossos passeios pela terra da garoa? Na mala eu coloquei muitas roupas que eu não usei. Levei junto curiosidade e medo, expectativa e o desejo de vencer. Quando chegamos lá, tudo se desfez.

sábado, 3 de novembro de 2012

Despedida


Na última noite em que passaram juntos, depois da festa, o grupo subiu pelas escadas, como havia feito nos últimos dias. Eles não podiam se separar. Na primeira e última vez que tentaram usar o elevador ele cedeu. Não suportou o peso daquelas 16 pessoas. Naquela última noite eles mesmos tinham dificuldades com o próprio peso, que já não era mais apenas físico, era, também, o peso da saudade. Quando chegaram no corredor principal do 2º andar todos se olharam e nenhuma palavra precisou ser dita. Os olhos de todos diziam a mesma coisa: foi muito bom conhecer vocês. Começaram, então, os abraços e os beijos. Os desejos de sucesso e felicidade. Mas, principalmente, o desejo de que um dia todos pudessem se reencontrar de novo e relembrar daqueles dias que foram tão importantes. As duplas se dirigiram para seus quartos, alguns com lágrimas nos olhos.

Aquela foi, possivelmente, a última vez que eles se viram.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Valentin9

Valentin: "Eu sei como as pessoas podiam viver mais".

Eu: "Como?"

Valentin: "Elas têm que ficar em movimento constante. O tempo passa mais devagar quando estamos em movimento".

Eu: "Mas eu acho que quando a gente tá em movimento, fazendo alguma coisa, o tempo passa mais rápido"

Valentin: "É só impressão tua. As pessoas teriam que chegar próximas a velocidade da luz".

Eu: "Impossível a gente se movimentar na velocidade da luz"

Valentin: "Não é exatamente na velocidade da luz. Na velocidade da luz o tempo para. Eu vi isso no meu livro. Mas o tempo passa mais devagar quando elas estão próximas".






terça-feira, 30 de outubro de 2012

Valentin8

Valentin - Mãe, vou procurar os nerds da escola e formar um grupo.
Mãe - Pra fazer o que?
Valentin - Pra conversar sobre a origem da vida e os mistérios do mundo.

sábado, 27 de outubro de 2012

Sensibilidade


Perguntar a alguém se está tudo bem, só não é mais clichê do que responder que sim, está tudo bem. Já pararam para pensar na importância em que essa simples pergunta deveria ter? Se eu quero saber como você está é por quê, teoricamente, eu me preocupo e quero saber como você se sente. Acontece que as pessoas perguntam "tudo bem?" como se estivessem cumprimentando e muitas vezes nem prestam atenção na resposta. Ouvir para quê, se sempre dizemos que está tudo certo?
Muitas vezes respondi, com um sorriso no rosto, que estava tudo ótimo e, na verdade, as coisas não iam nada bem. Em uma dessas ocasiões a pessoa olhou para mim e disse: "Tu não me enganas. Tu não estás nada bem". Nesse dia essa pessoa viu o que meus amigos mais próximos não viam. Nesse dia eu percebi que essa é uma da pessoas mais sensíveis que eu conheço.

Futuro e passado

"Vocês são almas gêmeas, menina bonita". Foi o que ela me disse quando eu respondi qual era o teu nome. Eu sorri. Uma reação de espanto e incredulidade. Mas nós somos tão diferentes, eu pensei. Só esqueci que semelhança não é critério. Ela me disse, também, que estou enganada a teu respeito. Disse que tu usas uma máscara, não para ser falso e enganar as pessoas, mas para se proteger. Ouvi, ainda, que estou preocupada com o presente e com o futuro. Tu estás preso ao passado. Pensei que fosse o contrário, hoje percebo que não. Se eu acredito que somos almas gêmeas? Talvez eu acredite nisso no dia em que nós dois estivermos no presente, e não um no futuro e outro no passado.

domingo, 21 de outubro de 2012

Chorei


Chorei. Chorei. Chorei. E é estranho, porque não consigo definir o que me fazia mal. Chorei mais. Chorei na rua, no ônibus, na frente de pessoas estranhas. Coisa que em hipótese alguma aconteceria antes.  Fui forte, sim. Durante muito tempo. Mas tinham aqueles momentos que a “coisa” (vou tratar por esse nome) eclodia e não tinha como segurar. Era um medo e uma tristeza que não pareciam ter fim. E quando eu achava que não tinha mais lágrimas no meu organismo, eu chorava mais. Chorava escondido. Mas, na frente dos outros, tentava mostrar que estava tudo bem.

Dói. É angustiante, é sofrido. Perdi a vontade de fazer as coisas, a segurança, a confiança. Projetos que em uma época me empolgavam, hoje não empolgam mais. É uma vontade imensa de não ver mais ninguém. De ficar só na minha casa, atirada em algum lugar. E a sensação que eu tenho é que se eu não tiver um livro, uma televisão ou internet, eles não vão fazer falta. Mas tem momentos, momentos relâmpagos, em que tudo parece bobagem, em que tudo parece não existir. Mas eles passam, infelizmente.

Tudo complica quando alguma coisa me faz lembrar a “coisa”. Sempre fica muito claro que as decisões precisam ser minhas, em um momento que não consigo tomar decisões.  Cansei de não ter resultados. Cansei de fingir que eu estou bem. Cansei. Chorei.

Jan-Mar/2012

A arte de desapegar das palavras


Graciliano Ramos, certa vez, disse que "Escrever é a arte de cortar palavras".

Ter um número de caracteres estipulados para o texto, às vezes, assusta. Por vezes pensamos que não iremos dar conta.
Depois da entrevista e do texto feito vem o apego. Você olha e percebe que tem três vezes mais o número de caracteres permitido. Isso que você e sua dupla tiveram "sorte", têm uma página a mais que os colegas. E aí, com muita dor, começa a cortar palavras. Corta, corta, corta, e o texto continua gigante. O que mais diminuir no texto, se tudo parece fundamental?

Graciliano Ramos, certa vez, disse que "Escrever é a arte de cortar palavras".
Certa vez, uma aluna da disciplina de produção em mídia impressa disse: "Escrever é a arte de desapegar das palavras".

01/04/2012

Memórias em gavetas


Sabe qual é a parte boa de (tentar) organizar nosso quarto? E as recordações que encontramos no caminho. Claro que, caso você não tenha mania de organização, colocar as coisas em ordem não é exatamente o que se possa chamar de diversão. Mas aí, você abre aquela gaveta, em que tudo é jogado para dentro. Então você encontra aquele cartão que te fez feliz, a caderneta de recadinhos do ensino médio, uma fotografia antiga, um brinquedo velho. E você lembra, revive alguns momentos e que te fazem recordar outros. Memória. E de repente foi como se sua vida passasse como um filme. "Que bom lembrar desses momentos", você pensa. E começa a organizar os livros. E lá no meio dos livro teóricos da faculdade, está o seu preferido da infância. Mais recordações.
Depois de tudo aparentemente no lugar você lembra do armário. Coloca algumas coisas para fora e encontra a primeira boneca ou o primeiro carrinho, que você guarda não porque é bonito ou moderno, mas porque foi o seu primeiro brinquedo. Nostalgia. E no meio de tantas lembranças, quando você percebe abriu a caixa de fotografias. E  lá de dentro, bem, lá dentro estão eternizados os melhores momentos.

18/03/2012

Dor

"O trágico da dor, que faz com que, levada até um certo ponto, crie em nós um sentimento desesperado de angústia e impotência, é que sobre um mal cuja causa está naquelas regiões de nós mesmos onde os outros não podem chegar, ninguém pode fazer nada já que nos confundimos com a dor e que a dor não pode destruir a si mesma." (HALBWACHS, Maurice).

11/03/2012

#Valentin7

Valentin, chegando da pescaria: "Nós (ele e o pai) garantimos o jantar, o almoço e a janta de amanhã. Eu peguei quatro peixes e o meu pai mais quatro. Agora a Vanessa tem que ir lá e "descascar" eles"

28/01/2012

domingo, 14 de outubro de 2012

Nós

Quem diria que estaríamos hoje conversando sobre balada, pegação e curtição. Houve um tempo em que, de tanto as pessoas falarem, eu acreditei que pudéssemos ser nós e não apenas eu e você. Não que ser eu e você seja pouco para mim, é muito, aliás. Me faz bem. Nesses últimos anos você se tornou uma das pessoas mais importantes da minha vida. E hoje, ou de uns dias para cá, entendi que muita coisa não passou de fantasia nossa, de brincadeira de amigos. Libertamos-nos e isso é tão bom. Mas, a cima de tudo, é bom saber que você vai estar sempre aí para mim e eu sempre aqui para você; aconteça o que acontecer e passe o tempo for. E, pensando bem, eu e você somos nós sim, diferente de como chegamos a pensar um dia, contrariando o que muitas pessoas disseram. Somos nós, a nossa maneira, e isso nos basta.